Todo brasileiro merece uma aula de Nelson Pereira dos Santos
Entrevista por Dominique Valansi (em nov 2004)
Lenda viva do cinema nacional, Nelson Pereira dos Santos, 76 anos, é venerado por muitas gerações, mas ainda desconhecido por muitos brasileiros. Mais do que fazer parte da nossa história do audiovisual - como precursor do Cinema Novo e realizador de filmes clássicos e inovadores - ele também retrata em sua obra, muitos aspectos da cultura brasileira, principalmente a literatura, a política, as religiões e grandes personalidades.
Grandes obras como Boca de Ouro (Nelson Rodrigues), Amuleto de Ogum e Jubiabá (Jorge Amado), A Terceira Margem do Rio (João Guimarães Rosa), Memórias do Cárcere e Vidas Secas (Graciliano Ramos), Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), foram levadas por ele para as telas. O morro carioca, foi retratado pela primeira vez em Rio 40o Graus, filme de estréia de Nelson, que teve em sua trilha sonora os sambas do saudoso Zé Kéti, que inspirou a história de Rio Zona Norte, segundo longa. Na sua fase mais recente, ele se aprofundou em documentários sobre ícones como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Foram, até aqui, cerca de 17 longas-metragens e 16 curtas.
Em seu escritório na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, em meio aos pôsteres de seus filmes, o diretor conversou com a Primeiro Plano. Sempre simpático, Nelson discutiu aspectos da sua obra, que está sendo restaurada e contou histórias curiosas da sua longa carreira. Incansável, atualmente ele produz um filme sobre uma história de amor em Brasília; acompanha a restauração de Rio 40o Graus que anos que vem completa cinco décadas; e roteiriza um documentário sobre a vida de Tom Jobim. Mais do que apenas uma aula de cinema e de luta (a censura foi cruel com algumas de suas produções), a filmografia e a história do diretor uma aula de Brasil. É por isso que todo brasileiro merece uma aula de Nelson Pereira dos Santos.
Analisando a sua filmografia, se vê que você fez muita ficção. Porém, suas últimas produções foram documentários. Como se deu isso?
Para a comemoração do centenário do Gilberto Freyre, eu resolvi fazer um documentário. Era uma produção muito ambiciosa de treze capítulos. Tinha contratado uns sete roteiristas. Mas com a captação, não deu para fazer, era muito caro. Eu tive que reduzir para quatro e fiz. Mas eu já tinha filmado muito documentário antes.
Eu fiz muito documentário institucional no “tempo do onça”, nos Anos 50. Fiz documentários pro Jean Manzon e pro Isaac Rozemberg, que eram dois grandes produtores deste tipo de filme. Nós filmávamos obras públicas, grandes indústrias privadas.
Mas, voltando pro Gilberto Freyre, quando eu pensei logo sobre um documentário sobre a obra, as idéias dele. Não apenas a biografia dele, mas o que ele disse com aquele livro, o Casa Grande e Senzala. A partir daí, eu vi que ia dar para fazer um sobre o Sérgio Buarque de Holanda que ia comemorar seu centenário de nascimento. O Gilberto Freyre foi em 2000 e o Sérgio Buarque em 2002. Eu tenho um grande filme para fazer, que é sobre o Tom Jobim, pro ano que vem. Eu comecei a fazer a produção, e o roteiro eu estou escrevendo com a Miúcha. Ela foi uma grande companheira do Tom.
E o documentário sobre o Zé Kéti?
O Zé era uma velha dívida que eu tinha, de fazer um documentário sobre ele. Em seu último aniversário, estava na casa dele um grupo, o “Estado Maior do Samba”. E ele já estava bem doentinho e o grupo começou a homenageá-lo, cantando as suas músicas. E foi um momento bonito, então surgiu a idéia de fazer um filme. Mas aí, o Zé Kéti não podia filmar, pois ele estava muito doente, e acabou morrendo. No dia do enterro, lá no cemitério, estavam lá os amigos. Aí eu lamentei ‘Puxa, o Zé Kéti foi embora e nós não fizemos o filme’. Aí o Monarco disse: ‘Não tem problema Nelson, a gente faz uma sessão espírita’. Aí assim que eu ganhei o prêmio da Petrobras eu fui lá filmar.
A literatura brasileira está muito presente nos seus filmes. Qual a importância dela para a sua vida?
Eu tive uma formação humanista na escola em São Paulo, no colégio do Estado, Presidente Roosevelt. Lá tinha uma Academia de Letras e um professor muito bom, principalmente em literatura brasileira. Tive uma boa formação nisso. Gostei daquela relação com o mundo da literatura, do pensamento. E o cinema pintou. E como todo jovem brasileiro, eu queria ser escritor. Não sabia se queria ser advogado ou engenheiro, mas queria caminhar para alguma coisa que não fosse tão comprometedora assim. E no meu curso de direito a gente tinha muita liberdade para fazer coisas que não fossem da escola. Tanto assim, que lá na faculdade de direito tem uma homenagem para três nomes importantes: Fagundes Varela, Castro Alves e Álvares de Azevedo. São três poetas. Então, o templo do saber jurídico era ao contrário – são três estudantes que não terminaram o curso.
Qual história da nossa literatura você gostaria também de levar para as telas?
São muitas. Do Graciliano Ramos tem uma que eu não vou fazer mesmo, que eu fiquei devendo, que é Angústia. Outra que é o sonho de todo cineasta brasileiro que é Os Sertões, de Euclides da Cunha. Isso é muita ambição, não é? O que eu gostaria de fazer e estou pretendendo é o Castro Alves. Eu já tinha roteiro, mas não consegui captação suficiente para fazer o filme. Talvez eu consiga desta vez.
O seu quinto longa-metragem, o Vidas Secas, comemorou 40 anos que ganhou o prêmio em Cannes. Isso gerou muitos debates e análises. Esta produção sempre leva ao assunto da fotografia. Quando o filme foi realizado já existia um projeto estético?Não tinha um projeto, mas eu sabia o que a gente não tinha que fazer. Eu tinha acertado de fazer o filme antes, em 1959, mas choveu muito na caatinga, e acabei não fazendo. A idéia de fotografia de um filme branco e preto da época era de usar um filtro amarelo. Mas, com ele, as nuvens ficavam tão densas que era impossível encenar uma história que vai faltar água, o gado está morrendo de sede, não tem comida, e o céu cheio de nuvens pretas de que vai chover! Nas conversas que eu tive com o Luiz Carlos Barreto, foto-jornalista do Cruzeiro, discípulo de Cartier Bresson, era usar a lente nua. E o negócio foi uma briga porque teve que romper com o preconceito técnico de laboratório. O próprio operador de câmera ficava falando: ‘ih, vai estourar!’. Mas, qual é o problema? O laboratório dizia que tava errado, que tinha que fazer de novo. Aí, a gente mandava revelar sem teste senão eles lá no laboratório corrigiam no tempo. Aí estragavam tudo que a gente tinha feito. A gente mandava um aviso em vermelho: ‘revelar normal, não fazer teste’, e eles não acreditavam!
Quando chegou o primeiro copião, a gente foi ver no cinema de Palmeira dos Índios, que era onde a gente estava filmando. O cinema, que foi emprestado para a gente durante o dia, tinha muitos vazamentos de luz. Então não dava para ver nada. Então saímos deprimidos, pensando que estávamos fritos! Depois fomos para Maceió, no melhor cinema, de noite e a gente conseguiu. O grande elemento do filme é a fotografia.
Como você vê hoje, o seu filme de estréia, Rio 40o. Graus, dentro da sua obra?
Eu gosto do filme. Vou usar uma coisa que o Gilberto Freyre sempre usou. Ele escreveu 78 livros, mas todos estes nasceram de Casa Grande e Senzala, que foi a obra germinal. Então eu vejo o Rio 40o. Graus em todas as conversas posteriores pois é o filme da juventude. Ele quer contar tudo de uma vez, quer fazer tudo no mesmo dia! Uma ansiedade...
E qual sua opinião a respeito do Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que décadas depois retoma a questão das favelas?
Eu fico bastante contente porque está temática fez com que meu filme fosse proibido. O “cara” queria me botar na cadeia, queimar o filme, imagina! O Cidade de Deus é muito mais violento, agressivo e crítico do que o Rio 40o. Graus e tem toda essa consagração. A idéia de procurar mostrar a realidade brasileira para os brasileiros foi boa e continua sendo boa.
Como está a conservação dos seus filmes?
Todos já estão no processo de restauração, graças à “mamãe” Petrobras. Já foram restaurados três: Vidas Secas, Azyllo Muito Louco e Amuleto de Ogum. Estamos começando a restaurar o Rio 40o. Graus, que tem que estar prontinho ano que vem para a comemoração dos 50 anos. Esses mais antigos são os mais difíceis. Tem um outro filme que desapareceu por razões políticas, o El Justicero. Ele foi exibido em 1966 e a censura mandou cortar. Em 1968, ele foi proibido. A polícia então recolheu todas as cópias, o negativo e desapareceu. A sorte é que existia uma cópia em 16mm que tinha sido mandada para um festival na Itália. A cinemateca restaurou, fez um master, mas está em 16mm. O vídeo do filme foi feito desta cópia, que inclusive tem alguns erros. Mas serve para provar que o filme existiu!
E o filme sobre os 100 dias do governo Lula?
Parou o filme porque o produtor brasileiro (Cristian Mileni) saiu e depois as condições do produtor francês não eram aceitáveis. Então eu saí fora.
O que você tem achado do cinema em digital?
Tem mil vantagens! O filme do Sérgio Buarque de Holanda e o do Zé Kéti, foram em digital. E eu fiz um outro filme agora, que se chama Cinema Milagres, em três dias de filmagem. Aliás, foi nesta cidade (Milagres) em que foram rodados os filmes Os Fuzis (Ruy Guerra), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha) e Central do Brasil (Walter Salles). Fica na estrada Rio-Bahia. E eu fui o primeiro a filmar lá. Eu fiz um documentário sobre a pavimentação da estrada. Um daqueles famosos filmes institucionais. Então desta vez eu fiz o povo da cidade falando dos filmes. Depois é o povo assistindo as filmes. Ele não tem data ainda de ser lançado, ainda está em fase de produção.
Mas, voltando à pergunta, eu acho que o digital tem a vantagem de ser mais rápido. No caso de documentário, onde se pegam depoimentos, é só deixar a câmera ligada e as pessoas ficam mais à vontade. Se ganha mais espontaneidade. Em 35mm eu não sei como eu fiz um documentário entrevistando!
Qual a sua opinião sobre o ANCINAV?
Eu estou fora! Não estou entrando na polêmica. Eu me aposentei faz tempo dessa história. Eu acho que a discussão é positiva, tem que continuar. O assunto é bem claro. Eu tenho certeza que um caminho de interesse geral vai ser encontrado.
Quais são seus próximos projetos?
Tem o Brasília 18%, que é uma ficção, uma história de amor. Ele se passa em um período de três dias, quando a umidade relativa do ar na cidade chega a 18%. E tem o documentário do sobre o Tom Jobim, que ainda está no roteiro e só vai ser filmado depois do de Brasília. Já está sendo feito grande trabalho de pesquisa.
Lenda viva do cinema nacional, Nelson Pereira dos Santos, 76 anos, é venerado por muitas gerações, mas ainda desconhecido por muitos brasileiros. Mais do que fazer parte da nossa história do audiovisual - como precursor do Cinema Novo e realizador de filmes clássicos e inovadores - ele também retrata em sua obra, muitos aspectos da cultura brasileira, principalmente a literatura, a política, as religiões e grandes personalidades.
Grandes obras como Boca de Ouro (Nelson Rodrigues), Amuleto de Ogum e Jubiabá (Jorge Amado), A Terceira Margem do Rio (João Guimarães Rosa), Memórias do Cárcere e Vidas Secas (Graciliano Ramos), Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre), foram levadas por ele para as telas. O morro carioca, foi retratado pela primeira vez em Rio 40o Graus, filme de estréia de Nelson, que teve em sua trilha sonora os sambas do saudoso Zé Kéti, que inspirou a história de Rio Zona Norte, segundo longa. Na sua fase mais recente, ele se aprofundou em documentários sobre ícones como Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. Foram, até aqui, cerca de 17 longas-metragens e 16 curtas.
Em seu escritório na Rua do Ouvidor, Rio de Janeiro, em meio aos pôsteres de seus filmes, o diretor conversou com a Primeiro Plano. Sempre simpático, Nelson discutiu aspectos da sua obra, que está sendo restaurada e contou histórias curiosas da sua longa carreira. Incansável, atualmente ele produz um filme sobre uma história de amor em Brasília; acompanha a restauração de Rio 40o Graus que anos que vem completa cinco décadas; e roteiriza um documentário sobre a vida de Tom Jobim. Mais do que apenas uma aula de cinema e de luta (a censura foi cruel com algumas de suas produções), a filmografia e a história do diretor uma aula de Brasil. É por isso que todo brasileiro merece uma aula de Nelson Pereira dos Santos.
Analisando a sua filmografia, se vê que você fez muita ficção. Porém, suas últimas produções foram documentários. Como se deu isso?
Para a comemoração do centenário do Gilberto Freyre, eu resolvi fazer um documentário. Era uma produção muito ambiciosa de treze capítulos. Tinha contratado uns sete roteiristas. Mas com a captação, não deu para fazer, era muito caro. Eu tive que reduzir para quatro e fiz. Mas eu já tinha filmado muito documentário antes.
Eu fiz muito documentário institucional no “tempo do onça”, nos Anos 50. Fiz documentários pro Jean Manzon e pro Isaac Rozemberg, que eram dois grandes produtores deste tipo de filme. Nós filmávamos obras públicas, grandes indústrias privadas.
Mas, voltando pro Gilberto Freyre, quando eu pensei logo sobre um documentário sobre a obra, as idéias dele. Não apenas a biografia dele, mas o que ele disse com aquele livro, o Casa Grande e Senzala. A partir daí, eu vi que ia dar para fazer um sobre o Sérgio Buarque de Holanda que ia comemorar seu centenário de nascimento. O Gilberto Freyre foi em 2000 e o Sérgio Buarque em 2002. Eu tenho um grande filme para fazer, que é sobre o Tom Jobim, pro ano que vem. Eu comecei a fazer a produção, e o roteiro eu estou escrevendo com a Miúcha. Ela foi uma grande companheira do Tom.
E o documentário sobre o Zé Kéti?
O Zé era uma velha dívida que eu tinha, de fazer um documentário sobre ele. Em seu último aniversário, estava na casa dele um grupo, o “Estado Maior do Samba”. E ele já estava bem doentinho e o grupo começou a homenageá-lo, cantando as suas músicas. E foi um momento bonito, então surgiu a idéia de fazer um filme. Mas aí, o Zé Kéti não podia filmar, pois ele estava muito doente, e acabou morrendo. No dia do enterro, lá no cemitério, estavam lá os amigos. Aí eu lamentei ‘Puxa, o Zé Kéti foi embora e nós não fizemos o filme’. Aí o Monarco disse: ‘Não tem problema Nelson, a gente faz uma sessão espírita’. Aí assim que eu ganhei o prêmio da Petrobras eu fui lá filmar.
A literatura brasileira está muito presente nos seus filmes. Qual a importância dela para a sua vida?
Eu tive uma formação humanista na escola em São Paulo, no colégio do Estado, Presidente Roosevelt. Lá tinha uma Academia de Letras e um professor muito bom, principalmente em literatura brasileira. Tive uma boa formação nisso. Gostei daquela relação com o mundo da literatura, do pensamento. E o cinema pintou. E como todo jovem brasileiro, eu queria ser escritor. Não sabia se queria ser advogado ou engenheiro, mas queria caminhar para alguma coisa que não fosse tão comprometedora assim. E no meu curso de direito a gente tinha muita liberdade para fazer coisas que não fossem da escola. Tanto assim, que lá na faculdade de direito tem uma homenagem para três nomes importantes: Fagundes Varela, Castro Alves e Álvares de Azevedo. São três poetas. Então, o templo do saber jurídico era ao contrário – são três estudantes que não terminaram o curso.
Qual história da nossa literatura você gostaria também de levar para as telas?
São muitas. Do Graciliano Ramos tem uma que eu não vou fazer mesmo, que eu fiquei devendo, que é Angústia. Outra que é o sonho de todo cineasta brasileiro que é Os Sertões, de Euclides da Cunha. Isso é muita ambição, não é? O que eu gostaria de fazer e estou pretendendo é o Castro Alves. Eu já tinha roteiro, mas não consegui captação suficiente para fazer o filme. Talvez eu consiga desta vez.
O seu quinto longa-metragem, o Vidas Secas, comemorou 40 anos que ganhou o prêmio em Cannes. Isso gerou muitos debates e análises. Esta produção sempre leva ao assunto da fotografia. Quando o filme foi realizado já existia um projeto estético?Não tinha um projeto, mas eu sabia o que a gente não tinha que fazer. Eu tinha acertado de fazer o filme antes, em 1959, mas choveu muito na caatinga, e acabei não fazendo. A idéia de fotografia de um filme branco e preto da época era de usar um filtro amarelo. Mas, com ele, as nuvens ficavam tão densas que era impossível encenar uma história que vai faltar água, o gado está morrendo de sede, não tem comida, e o céu cheio de nuvens pretas de que vai chover! Nas conversas que eu tive com o Luiz Carlos Barreto, foto-jornalista do Cruzeiro, discípulo de Cartier Bresson, era usar a lente nua. E o negócio foi uma briga porque teve que romper com o preconceito técnico de laboratório. O próprio operador de câmera ficava falando: ‘ih, vai estourar!’. Mas, qual é o problema? O laboratório dizia que tava errado, que tinha que fazer de novo. Aí, a gente mandava revelar sem teste senão eles lá no laboratório corrigiam no tempo. Aí estragavam tudo que a gente tinha feito. A gente mandava um aviso em vermelho: ‘revelar normal, não fazer teste’, e eles não acreditavam!
Quando chegou o primeiro copião, a gente foi ver no cinema de Palmeira dos Índios, que era onde a gente estava filmando. O cinema, que foi emprestado para a gente durante o dia, tinha muitos vazamentos de luz. Então não dava para ver nada. Então saímos deprimidos, pensando que estávamos fritos! Depois fomos para Maceió, no melhor cinema, de noite e a gente conseguiu. O grande elemento do filme é a fotografia.
Como você vê hoje, o seu filme de estréia, Rio 40o. Graus, dentro da sua obra?
Eu gosto do filme. Vou usar uma coisa que o Gilberto Freyre sempre usou. Ele escreveu 78 livros, mas todos estes nasceram de Casa Grande e Senzala, que foi a obra germinal. Então eu vejo o Rio 40o. Graus em todas as conversas posteriores pois é o filme da juventude. Ele quer contar tudo de uma vez, quer fazer tudo no mesmo dia! Uma ansiedade...
E qual sua opinião a respeito do Cidade de Deus, de Fernando Meirelles, que décadas depois retoma a questão das favelas?
Eu fico bastante contente porque está temática fez com que meu filme fosse proibido. O “cara” queria me botar na cadeia, queimar o filme, imagina! O Cidade de Deus é muito mais violento, agressivo e crítico do que o Rio 40o. Graus e tem toda essa consagração. A idéia de procurar mostrar a realidade brasileira para os brasileiros foi boa e continua sendo boa.
Como está a conservação dos seus filmes?
Todos já estão no processo de restauração, graças à “mamãe” Petrobras. Já foram restaurados três: Vidas Secas, Azyllo Muito Louco e Amuleto de Ogum. Estamos começando a restaurar o Rio 40o. Graus, que tem que estar prontinho ano que vem para a comemoração dos 50 anos. Esses mais antigos são os mais difíceis. Tem um outro filme que desapareceu por razões políticas, o El Justicero. Ele foi exibido em 1966 e a censura mandou cortar. Em 1968, ele foi proibido. A polícia então recolheu todas as cópias, o negativo e desapareceu. A sorte é que existia uma cópia em 16mm que tinha sido mandada para um festival na Itália. A cinemateca restaurou, fez um master, mas está em 16mm. O vídeo do filme foi feito desta cópia, que inclusive tem alguns erros. Mas serve para provar que o filme existiu!
E o filme sobre os 100 dias do governo Lula?
Parou o filme porque o produtor brasileiro (Cristian Mileni) saiu e depois as condições do produtor francês não eram aceitáveis. Então eu saí fora.
O que você tem achado do cinema em digital?
Tem mil vantagens! O filme do Sérgio Buarque de Holanda e o do Zé Kéti, foram em digital. E eu fiz um outro filme agora, que se chama Cinema Milagres, em três dias de filmagem. Aliás, foi nesta cidade (Milagres) em que foram rodados os filmes Os Fuzis (Ruy Guerra), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (Glauber Rocha) e Central do Brasil (Walter Salles). Fica na estrada Rio-Bahia. E eu fui o primeiro a filmar lá. Eu fiz um documentário sobre a pavimentação da estrada. Um daqueles famosos filmes institucionais. Então desta vez eu fiz o povo da cidade falando dos filmes. Depois é o povo assistindo as filmes. Ele não tem data ainda de ser lançado, ainda está em fase de produção.
Mas, voltando à pergunta, eu acho que o digital tem a vantagem de ser mais rápido. No caso de documentário, onde se pegam depoimentos, é só deixar a câmera ligada e as pessoas ficam mais à vontade. Se ganha mais espontaneidade. Em 35mm eu não sei como eu fiz um documentário entrevistando!
Qual a sua opinião sobre o ANCINAV?
Eu estou fora! Não estou entrando na polêmica. Eu me aposentei faz tempo dessa história. Eu acho que a discussão é positiva, tem que continuar. O assunto é bem claro. Eu tenho certeza que um caminho de interesse geral vai ser encontrado.
Quais são seus próximos projetos?
Tem o Brasília 18%, que é uma ficção, uma história de amor. Ele se passa em um período de três dias, quando a umidade relativa do ar na cidade chega a 18%. E tem o documentário do sobre o Tom Jobim, que ainda está no roteiro e só vai ser filmado depois do de Brasília. Já está sendo feito grande trabalho de pesquisa.